A divulgação dos modelos jurídicos no mundo não é um fenómeno recente. Ela é, seguramente, acelerada pela globalização que suscita essencialmente a problemática do diálogo das culturas jurídicas, mas a África está confrontada com esta divulgação há já muito tempo devido a sua história particular ligada à colonização. Os esforços para a « modernização » e a unificação do direito não conduziram à total extinção dos sistemas jurídicos que precederam à criação dos Estados independentes. Juntamente com o Direito estatal, muitas vezes importado, subsistiram nomeadamente sistemas tradicionais (constituídos ao mesmo tempo por normas apoiadas e normas implementadas pelas autoridades) que permaneceram mais ou menos fortes em função dos países e das áreas (por exemplo, em matéria de propriedade de terras, de estatuto pessoal ou na área dos negócios).
A coexistência de sistemas jurídicos traduz uma situação de pluralismo de grande complexidade que poe em causa a legitimidade dos modelos jurídicos importados. Ela dá origem a fenómenos de “inter-normatividade” dinâmica em que os sistemas jurídicos não são estáticos e estão em permanente transformação devido às evoluções dos comportamentos dos actores, das necessidades e dos valores sociais. As práticas concretas dos actores, através da hibridação, criam ligações entre as ordens jurídicas ou realizam uma « combinação normativa » que tornam obsoletas os trâmites opondo tradição e modernidade no domínio do direito. As relações entre os sistemas jurídicos em presença, não respondem ao antagonismo muitas vezes alegado entre os costumes supostamente ideais, e um sistema do Estado diabólico, nem inversamente, entre os costumes retrógrados, obstáculos à unidade nacional, ao desenvolvimento e à modernidade e o sistema de Estado centralizador, civilizador e uniformizador. Pelo contrário, os costumes não são estáticos e são de facto fenómenos dinâmicos que surgem devido a uma contraposição de forças, de uma necessidade social em evolução. Ao mesmo tempo, o sistema jurídico do estado não se resume apenas em normas estagnadas, ele evolui através da aplicação ou interpretação que se adaptam às épocas ou contextos particulares.
A regulação jurídica transforma-se numa fonte de insegurança quando não é capaz de identificar e perceber estas situações de pluralismo. A observação na área fundiária é reveladora deste risco de insegurança; neste domínio, a pouca consideração da diversidade dos valores, das normas e dos actores envolvidos, resulta em conflitos complexos. Da mesma forma, no que diz respeito a proteção dos direitos da mulher ou das crianças, a maioria dos Estados têm dificuldades em adoptar e efectivar as reformas empreendidas apesar da assinatura e ratificação de convenções internacionais.
No plano interno, trata-se de preservar a unidade do direito, criando ao mesmo tempo um espaço para a diversidade de culturas jurídicas, tendo em conta a pluralidade de normas e de autoridades encarregues de as aplicar; trata-se de construir uma nova ordem jurídica articulando sistemas jurídicos plurais para promover o que se tem chamado de “pluralismo de coordenação”, “interacção constructiva”, “inter-culturalismo”, “pluralismo ordenado” ou ainda “pluralismo de cooperação”;
No plano internacional, trata-se do desafio da compatibilidade, por um lado, entre as transformações internas aos Estados que resultam de experiencias de pluralismo, e por outro, das disposições normativas internacionais, ou seja a articulação possível entre valores (por exemplo a igualdade dos sexos, o direito de propriedade individual), princípios de coordenação e modalidades diferenciadas e adaptáveis, de implementação segundo os contextos nacionais e locais.
A análise do pluralismo em termos de cooperação e de coordenação dos sistemas jurídicos, focaliza-se mais na valorização das interacções práticas entre as normas e as autoridades que as implementam, concretamente entre Direito estatal e Direito costumeiro, entre justiça estatal e “justiça costumeira” (em particular a mediação social). Ela procura identificar as aculturações reciprocas suceptíveis de melhorar a qualidade da coabitação e do enriquecimento mutuo. Uma tal mudança de perspectivas permite de confrontar os sistemas jurídicos e judiciais com as mesmas exigências, procurando na utilização das normas as suas compatibilidades, legitimidades e eficiência, assim como as suas complementaridades na aplicação da justiça. Trata-se então de saber como criar um quadro pluralista coerente no qual:
Os cidadãos têm a garantia de um acesso real, justo e equitativo à justiça, seja qual for o sistema judicial ao que recorrerem;
As instituições e as autoridades judiciárias, estatais e extra-estatais, cumprem as condições que garantem a sua legitimidade e submissão efectiva ao Direito;
Os cidadãos têm a garantia de beneficiar de uma segurança jurídica e judicial, de um Direito que protege os seus direitos, seja qual for o sistema jurídico aplicável.
Os sistemas jurídicos, tanto estatais como tradicionais, garantem um acesso efectivo, justo e equitativo à justiça? E como se pode valorizar a complementaridade da pluralidade dos juízes para reforçar este acesso? Será possível, por exemplo recorrer as “justiças” costumeiras para colmatar a falta de oferta da justiça estatal melhorando as condições de desempenho das “justiças” costumeiras e criando assim as condições de uma equivalência qualitativa entre os sistemas judiciais?
Como reforçar a legitimidade de cada instituição ou autoridade encarregue da aplicação da justiça, eliminando as imperfeições que pesam nesta legitimidade? Como garantir a submissão de cada ordem judiciária ao Direito, assegurando-se que seja examinada em função da normatividade jurídica, respeitando padrões comuns definidos a nível nacional e, compatíveis com os textos internacionais?
Como garantir aos cidadãos uma equivalência de segurança jurídica e judicial, em todas as ordens jurídicas e judiciais? Como garantir que as decisões tomadas por cada ordem judicial sejam baseadas em normas previsíveis e não sejam postas em causa? Quais são as articulações entre os sistemas jurídicos para se evitar sobreposições de leis, que fragilizam os direitos das partes em litígio?