Ateliê


Diz um provérbio que “Não se pode apanhar uma pedra com um só dedo”. É irrealista esperar da acção pública que garante o monopólio do bem público. A parceria entre os actores é fundamental para a governação moderna, quer se trate de garantir os serviços básicos - água, saneamento, segurança, educação, saúde, etc. –, quer se trate de desenvolvimento económico.

As sociedades africanas têm as suas próprias tradições de parceria. A teoria moderna da governação e as práticas desenvolvidas nos respectivos países podem trazer a sua própria perspectiva. A isso acrescenta-se a forte presença, em muitos países, de “parceiros de desenvolvimento” que participam também directamente na prestação de serviços públicos. Mas, com demasiada frequência, as modalidades de parceria não são claramente definidas e muitos actores, em particular os habitantes dos bairros pobres das cidades, os camponeses, os pescadores artesanais, os actores da economia informal, etc., não estão organizados para se pronunciar e ainda não são reconhecidos pela sua competência, ainda embora sejam os que sustentem a maioria das pessoas.

Além de um discurso abstracto sobre a parceria, que levaria a um consenso sem alcance prático, a conferência irá elaborará uma carta de parceria entre actores a partir de casos concretos e experiências.

Com a crise das ideologias que marcaram os debates das primeiras décadas das independências e devido à perda de confiança das sociedades em relação aos seus dirigentes políticos, observa-se em toda a África a emergência, na altura das eleições, de dirigentes relativamente carismáticos e providenciais, com programas relativamente vagos. No âmbito do debate político, elaboram-se projectos de sociedade à pressa, sem concertação com a população, que não serão aplicados e que escondem mal rivalidades, sede de poder e concorrência para o acesso aos bens públicos. A imposição pelas antigas potências coloniais e pelas instituições internacionais de regimes chamados de democracia representativa, multipartidária, longe de introduzir nos países uma autêntica democracia, substancial, tiveram o efeito oposto. Dizia-se que a democracia seria um factor de paz. Mas em África, tem sido sobretudo um factor de violência e de guerra. Como resultado de eleições raramente justas e cujos desafios são raramente percebidos pela população, as regras de maioria fazem com que 51% dos votos possa conceder a totalidade do poder assim como o rendimento que se pode extrair da exploração dos recursos naturais. Este princípio do “vencedor que fica com tudo” é desconhecido das sociedades que no entanto desenvolveram métodos comprovados de construção de consensos e de partilha.

África deve encontrar outra maneira de elaborar perspectivas políticas. Os programas não podem ser elaborados pelos dispositivos de partidos políticos que, por vezes, são apenas instrumentos de conquista do poder ao serviço de dirigentes cujo único projecto é o acesso ao poder para usufruir dos bens públicos. Os projectos de sociedade e os programas políticos derivados devem ser o reflexo daquilo que toda a sociedade deseja, o que requer métodos adequados.

No decurso da conferência teremos a ocasião de examinar os primeiros resultados da assembleia maliana de cidadãos, tentativa original de construir um projecto político “de baixo para cima”, e de examinar as condições em que se pode, a nível das nossas cidades e dos nossos Estados, restaurar a cultura do consenso para fazer dela a regra e não a excepção na decisão pública.

A sociedade africana desenvolve-se à margem das instituições formais e mesmo involuntariamente por vezes. Sem a vitalidade da sociedade civil africana, incrivelmente dinâmica e inventiva apesar da pobreza e das crises, África estaria numa situação pior do que aquela em que está actualmente. Mas esta sociedade civil nem sempre é bem visível porque as elites africanas e os parceiros de desenvolvimento polarizam a sua atenção sobre as estruturas institucionais. Parece que a sociedade civil somente existe quando organizações não governamentais institucionalizadas a representam! Além disso, com demasiada frequência estas representações oficiais da sociedade civil são na realidade ferramentas instrumentalizadas do poder e dos parceiros de desenvolvimento.

Para que os camponeses, os pescadores, os habitantes das cidades, os empresários do sector informal, as mulheres e os jovens possam desempenhar o seu papel nos assuntos públicos, possam ser escutados, é preciso que todos estes sectores tenham acesso a uma boa compreensão dos desafios nacionais e internacionais, que os seus dirigentes possam beneficiar de uma formação adequada, que toda a sociedade tenha acesso a uma excelente informação sobre a gestão dos assuntos públicos (a utilização dos impostos, a utilização da ajuda ao desenvolvimento, a utilização dos rendimentos extraídos dos recursos naturais, etc.) assim como as melhores experiencias internacionais.

A conferência irá permitir a confrontação das diferentes experiências de implicação da sociedade civil na elaboração e avaliação das políticas públicas e propor as ferramentas de formação e informação necessárias.

A competência e a dedicação dos agentes do serviço público local, regional e nacional é uma dimensão decisiva da legitimidade da governação. Não pode existir boa gestão da sociedade sem o contributo de funcionários bem formados, dedicados à causa pública, capazes de criar um diálogo respeitoso com os outros sectores da sociedade e com os colegas das outras administrações. Formações técnicas e jurídicas não bastam. Portanto o estabelecimento de uma rede interafricana de formação em governação, desenvolvendo em comum bancos de estudos de caso e cursos de formação inicial e permanente, torna-se uma prioridade. Ela permitirá aos alunos compreender melhor os desafios com que vai ser confrontada a sociedade africana nos próximos cinquenta anos, as condições de uma reforma profunda dos Estados e os princípios de governação do século XXI. Esta rede interafricana de formação teria que envolver tanto a Associação das Cidades Africanas (CGLU - África), os centros e institutos de formação dos funcionários territoriais e as escolas nacionais de administração existentes.