A África está passando por uma crise da governação fortemente ligada a crise do Estado, tal como existe e funciona no continente. O Estado ainda conhece muitas dificuldades em criar e conduzir políticas de desenvolvimento que garantem de forma duradoira a estabilidade e a prosperidade das sociedades, e portanto, o bem-estar e a segurança das populações.
Esta crise estrutural exige uma reconstrução do Estado que supõe que sejam repensados os papéis e as relações entre os actores nos diferentes níveis local, nacional e regional. Ou seja, o Estado africano pós-colonial deveria ser repensado e redefinido em conformidade com a descentralização e a integração regional. Assim, a reconstrução do Estado, a descentralização e a integração regional devem resultar de uma dinâmica de mudança global.
Tradicionalmente as problemáticas de governação são analisadas de forma fechada a nível local, nacional e regional. Isto explica em parte o fraco desempenho das políticas de integração quer a nível nacional quer a nível regional. Trata-se agora de mudar de perspectiva: a governação local deve permitir aos níveis nacional e regional de enfrentar os desafios sociais, políticos e económicos que enfrentam. Assim através da sua capacidade potencial em legitimar e vincular as formas e os sistemas de gestão dos assuntos públicos a todos os níveis, o nível local é seguramente o nível estratégico da reconstrução da governação. Através da valorização do nível local, a África pode responder a crise de legitimidade do Estado pós-colonial e reforçar a integração regional.
O nível local possui a capacidade de reconstruir o Estado pós-colonial através da democracia local e do desenvolvimento territorial. Isto explica certamente o facto de que, a maior parte dos países africanos com itinerários diferentes e por diversas motivações, lançaram a meio dos anos 90, reformas administrativas no centro das quais se encontravam políticas de descentralização e de desenvolvimento local.
É certo, que foram realizados progressos, nomeadamente na afirmação do princípio de descentralização e de estabelecimento de dispositivos institucionais, em particular as comunidades locais. No entanto, apesar da afirmação e da constante evocação destas hipóteses por parte de todos os actores, os processos de descentralização não parecem definitivamente adquiridos. Para além disso, as instituições e as práticas que originaram, ainda hoje nem sempre são apropriadas à implementação de uma governação local legitima. Finalmente as reformas parecem conhecer algumas reticências e algumas dificuldades.
Os esquemas de descentralização são muitas vezes cópias de modelos exteriores. A governação local é ainda essencialmente institucional e as modalidades de deliberação local oferecem poucas garantias de participação e de consideração da diversidade a nível local;
Guiada por considerações mais politiqueiras que políticas, a configuração dos territórios locais não permite muitas vezes a emergência de espaços de desenvolvimento económico ou a consolidação de áreas socioculturais relevantes;
Existe uma real ausência de diálogo e de intercâmbios entre os territórios locais a nível nacional, sub-regional e pan-africano, enquanto isso, uma cooperação descentralizada se desenvolve com as comunidades locais dos países do norte com um conteúdo no entanto mal definido;
A fraqueza crónica e generalizada dos recursos locais é uma realidade. Ela se explica menos pela sua escassez, que pelas percepções e praticas dos actores da governação. - Para além disso, ela determina a dimensão e o número de missões afectadas as colectividades locais;
As competências transferidas a nível local não correspondem muitas vezes às capacidades reais das populações e das comunidades locais. Elas dizem respeito as profissões nas quais os poderes públicos não têm competências ou experiencias reais;
A questão dos meios e dos instrumentos da descentralização está estreitamente ligada à problemática da governação. Isto explica que a cultura do serviço público se resume muitas vezes a uma percepção clientelista ou demagógica da especificidade do interesse local. Consequentemente, o serviço público permanece inadequado, pouco articulado na sociedade, por vezes desfavorável ao desempenho, e essa crise se manifesta com a falência de um bom número de serviços públicos básicos.
Como garantir a “socialização” da descentralização para desvincular a reforma da abordagem « administrativa » ?
Como garantir a participação efectiva e benéfica dos cidadãos nos assuntos públicos locais?
Quais são as relações jurídicas, politicas, económicas, financeiras entre o Estado e as colectividades locais?
Como reforçar a eficiência da acção pública local?
Como definir e inserir melhor cada território local no seu contexto (nacional, regional, transfronteiriço, internacional etc.) ?
A integração regional é um ideal a realizar para o desenvolvimento do continente, para a paz e a estabilidade e finalmente para uma melhor posição da África no mundo.
O desenvolvimento nacional isolado conduz a impasses. O mercado regional constitui o maior e potencial procedência de actividades para o futuro. É também nas perspectivas demográficas regionais que se enquadra a emergência dos intercâmbios regionais a longo prazo. Perante estes desafios o continente deve primeiramente ganhar o desafio da paz e da estabilidade, da segurança e da tolerância. Para o efeito o continente deveria formar um conjunto equilibrado e harmonioso, coerente e se distinguir pela integração regional. Para além disso, uma comunidade africana forte e integrada poderia constituir uma força de negociação no mundo, e deveria permitir a participação do continente no novo sistema, com determinado peso sobre as relações mundiais.
Um tal processo de integração, bastante longo a implementar, carecendo imensos esforços, e sobretudo exigente a nível da visão e da estratégia, necessita mecanismos técnicos e institucionais fortes baseados num verdadeiro projecto político de governação regional. Nesse sentido, a União Africana foi constituída e adoptou uma agenda sobre a governação; certas comunidades regionais fizeram reais esforços para definir uma visão da integração (Visões 2020 da UEMOA e da CEDEAO); no entanto persistem reais reticências e dificuldades.
Para além da criação formal de estruturas de integração, dos discursos, das declarações de intenções, da presença nas reuniões e nas sessões das instituições, os Estados tem falhado de uma forma geral e permanente às suas obrigações para com a União Africana;
Este « desinteresse » dos Estados se reflete em várias áreas, particularmente na transferência da soberania, no pagamento das cotizações, na ratificação dos instrumentos jurídicos comunitários, ou ainda no apoio dos projectos pan-africanos e na participação franca e efectiva nas suas implementações ;
Os Estados mostram uma indiferença total às eventuais sanções que são ou poderiam ser pronunciadas ao seu encontro. Para além do facto que a União Africana não dispõe realmente de reais poderes de coerção sobre os Estados, constata-se que eles, são mais sensíveis às sanções definidas pelos organismos internacionais;
As instituições regionais e sub-regionais de que os Estados se dotaram, e que constituem os quadros de desenvolvimento e de implementação das políticas comunitárias, mesmo sendo ao mesmo tempo os símbolos desses Estados, estão pouco relacionadas com os povos africanos. Por esta razão, apesar dos avanços significativos (porém desiguais segundo as regiões) em particular na área da livre circulação de bens, do direito comercial e da moeda, a opinião pública africana ainda considera que os actores institucionais regionais e sub-regionais são muitas vezes estruturas sem consistência, desprovidos de análises reais, dispendiosas e ineficazes;
As instituições comunitárias estão confrontadas com um problema de legitimação que resulta de vários elementos, nomeadamente à ausência de democracia participativa na sua composição e no seu funcionamento, a sua insuficiente abertura, políticas de comunicação e de informação insuficientes, a sua fraca influência sobre os assuntos mundiais, a dificuldade da percepção dos resultados das suas acções, ou ainda o facto de recolherem a expressão das tensões entre os Estados, etc.
Como garantir a « socialização » da integração regional para desvincular a construção comunitária da abordagem puramente institucional?
Como garantir uma participação efectiva e benéfica dos cidadãos nos assuntos públicos regionais ?
Quais estratégias devem ser implementadas para se conseguir uma construção comunitária solida e coerente ?
Através de que processo e mecanismos se deve desenvolver uma visão e politicas africanas legitimas e eficientes ?
Através de que processo e mecanismos, uma África integrada poderia ter peso na definição e na implementação das políticas mundiais?