A sociedade africana tradicional assentava-se num conjunto de valores éticos e morais. Cada individuo era definido pela sua função e as suas responsabilidades no seio da família e no seio da comunidade. Estes valores permanecem bem vivos, mas a organização e o funcionamento do Estado africano pós-colonial, a relação para com o poder, a influência hegemónica estrangeira, os grandes movimentos migratórios, em particular em direcção das cidades, a confrontação com outras culturas e com o individualismo promovido pela sociedade de consumo e pela exaltação da concorrência, tem gradualmente corroído esta base de vida em comum. Demasiadas vezes, isto resulta no desprezo do bem público, no abuso das posições de poder, cuja corrupção é uma das manifestações, na indiferença das actuais gerações pelas consequências a longo prazo dos seus actos sobre as gerações futuras.
A dificuldade em construir um “viver juntos” no seio das sociedades em torno de valores e princípios partilhados e de projectos colectivos de sociedade é uma das principais causas das dificuldades que se encontram à estabelecer de forma duradoira as sociedades politicamente estáveis, as relações sociais pacíficas entre grupos humanos (etnias, clãs, religiões etc…), e as economias prósperas. Ora a institucionalização de uma comunidade de valores e a construção de um consenso sobre os princípios fundamentais de funcionamento e gestão das sociedades é um factor de progresso.
Os Estados e as organizações de integração regional conseguiram avanços importantes no estabelecimento dos mecanismos institucionais e jurídicos em torno da problemática dos valores e dos princípios fundamentais de gestão das sociedades. Podemos citar como exemplo a União Africana que adquiriu gradualmente uma estrutura de governação que inclui a problemática dos valores partilhados regidos pelo princípio de responsabilidade colectiva (ver a Cimeira de 2011, Carta Africana da democracia, das eleições e da governação), e a CEDEAO que também adoptou vários textos importantes que podem constituir o alicerce constitucional comum dos Estados da África Ocidental (por exemplo o Protocolo adicional sobre a democracia e a boa governação).
Para que estes instrumentos possam desempenhar plenamente o seu papel e levar a uma melhoria sensível da governação, a maioria dos países do continente devem se lançar a vários desafios, entre outros:
A regulamentação da diversidade, em particular comunitária, nos Estados-Nações que foram construídos após as independências com a obsessão da unidade nacional; este desafio é hoje evidenciado pela problemática do lugar do Islão nos processos democráticos em África do Norte e em certos países da África subsaariana;
A luta contra a promoção de valores negativos (falta de civismo, corrupção, privatização dos bens e do espaço público, transformação do Poder em património …);
A identificação dos valores partilhados que estruturam o “Viver juntos” no seio das sociedades em permanente mutação e cuja evolução está estreitamente ligada ao processo aberto de globalização dos valores;
A definição de melhores modalidades de acesso, de exercício e de limitação do Poder no seio das sociedades.
Quais são hoje os valores partilhados e princípios comuns que permitem instituir o “viver juntos” no seio das sociedades africanas ?
Como inventar regulamentos baseados nestes valores partilhados e que ao mesmo tempo respondem às expectativas contemporâneas, porém evolutivas das sociedades ?
Quais são os instrumentos mais adequados para formalizar e implementar efectivamente tais regulamentos? Uma carta das responsabilidades? As constituições..?
Como identificar e implicar os sistemas tradicionais (valores, princípios e autoridades) que podem reforçar o viver junto?
Qual o interesse e lugar das línguas nacionais e conhecimentos locais endógenos na reconstrução do “Viver juntos”?
Quais são as vias para estabelecer de forma duradoira o Poder em África numa perspectiva de reforço da democracia, de respeito dos direitos humanos e do Estado de Direito, e de institucionalização do constitucionalismo?