Ateliê


A sociedade africana tradicional foi baseada num conjunto de valores éticos e morais. Cada indivíduo era definido pelo seu papel e pelas suas responsabilidades no seio da sua família e da sua comunidade. Estes valores continuam ainda muito vivos, mas os grandes movimentos migratórios, nomeadamente em direção às cidades, o confronto com outras culturas e com o individualismo promovido pela sociedade de consumo e pela exaltação da concorrência desgastaram progressivamente esta base da vida em comum. Daí resulta, com demasiada frequência, um menosprezo do bem público, um abuso das posições de poder cuja corrupção é uma das suas manifestações, uma indiferença pelas consequências a longo prazo dos nossos actos sobre os nossos descendentes. A sociedade vive mal com este cinismo porque sabe que é autodestrutivo.

Quais são, na confluência da nossa base ético tradicional, dos nossos valores religiosos e comunitários actuais e da interdependência que nos liga ao mundo, os valores susceptíveis de dar às sociedades africanas, na sua diversidade, uma nova oportunidade de controlar o seu destino e de criar o nosso projecto de governação? Porque sem valores comuns nos quais todos os actores se podem reconhecer e com os quais os dirigentes se comprometem formalmente, a governação é apenas uma técnica de exercício do poder ao proveito dos dirigentes.

No decurso da conferência e relação com a dinâmica internacional da Carta de Responsabilidades Humanas, se vai elaborar uma Carta Africana de Responsabilidades.

Cada país dotou-se de uma constituição, frequentemente inspirada no modelo da antiga potência colonial. Demasiada vezes estas constituições foram elaboradas por um grupo de professores de direito, sem o envolvimento de toda a sociedade na definição e discussão dos princípios fundadores.

As constituições foram certamente submetidas a um voto formal, mas permanecem no entanto algo de desconhecido da sociedade. Longe de terem aproximados os Estados das sociedades, somente contribuíram para os afastar. Assim, não surpreende que estas constituições, cujo valor irá permitir de oferecer à governação um alicerce enraizado e durável, sejam tratadas com ligeireza, como simples pedaços de papel que se podem modificar segundo as necessidades das elites no poder.

Para terem legitimidade perante todo um povo, os princípios de governação devem reflectir a maneira como a própria sociedade pensa que deve ser gerida. Estes princípios devem permanecer vivos, encontrar eco na gestão colectiva a vários níveis, desde a família, a aldeia, o bairro até a nação inteira.

Escritas numa linguagem acessível a todos e em línguas nacionais, longamente debatidas, reflectindo a visão que a sociedade quer ter dela própria no futuro, as constituições devem ser a expressão viva da vontade de viver juntos e da capacidade de o fazer.

Retomando as reflexões interafricanas e internacionais sobre as constituições, a conferência irá identificar os grandes eixos de um novo esforço constitucional que a África deve impor a si mesma.